segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Os irmãos Silêncio e Mudinho

(Inspirado por uma conversa com Cecília Finger)

Era uma vez dois irmãos. O Silêncio e o Mudinho. O silêncio era um menino bonito, carinhoso e sensível. Ele estava sempre atento para escutar as pessoas ao seu redor, escutava até mesmo os animais, as plantas e sempre era carinhoso e atento com todos. E o Silêncio não deixava de ser Silêncio quando falava! Não, não! Ele apenas ficava a maior parte do tempo em silêncio, por isso o apelido, mas na verdade ele observava e aprendia e sempre procurava ver o que poderia descobrir e como poderia ajudar a todos ao seu redor dessa maneira. Ele via que o que muitos falavam nem sempre era parecido com como eles agiam, ouvia as palavras de carinho, mas percebia que o tom nem sempre era carinhoso. Silêncio pensava claro e conhecia as pessoas pelos gestos, pelas mudanças na voz e até nos olhares. Por isso todos sempre o tratavam muito bem e sempre prestavam atenção quando o silêncio queria falar. Porque era muito raro e importante quando ele falava! Todos sentavam em roda e queriam estar próximos e ouvir o que o silêncio tinha a dizer a eles. Como estava quase todo o tempo ouvindo a todos ao redor e pensando sobre o que cada um sentia e pensava, o silêncio, quando falava, ajudava todos a ver e ouvir e sentir de uma forma mágica!

Já seu irmão mudinho era diferente. Ele não fazia questão de ouvir nem de ser ouvido. Simplesmente se negava a falar! Ninguém sabia se ele tinha dores no joelho, se estava com fome ou se ia bem no colégio. Ele era um grande enigma, um mistério até mesmo para os pais dele e isso deixava eles muito, mas muito tristes. Porque o Mudinho afastava as pessoas de perto do coração dele. Afinal, sem falar, como ele queria ser entendido? Os pensamentos do Mudinho iam se acumulando na cabecinha dele como vários papéis rabiscados dentro de um quarto. E ficavam confusos e atribulados e confundiam o Mudinho. Os sentimentos - ah, os sentimentos! - esses faziam tamborim dentro do peito dele. E eram tantos e tão confusos! E era o medo que apertava o desejo que empurrava o amor e esmagava o sonho e todos eles estavam na verdade era formando uma tremenda massaroca apertada que implorava para sair! Mas você pensa que o Mudinho abria a boca? Que nada! E a boca era por onde todos eles queriam sair, para que os novos sentimentos e pensamentos pudessem vir colorir tudo por dentro dele, como faziam com os amigos do Silêncio, quando ouviam ele falar!

Então, como você acha que o Silêncio pode ajudar o Mudinho?

Conto por Renato Kress

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Telefonema

O que ela disse:

- Oi filho, tudo bem? Olha fique tranquilo porque o Bernardo já fez para mim a parte da capa. Você lembra do Bernardo? Ele é filho de Lianci, sobrinha de Antônia lá de Três Rios. Ele lembra de você, disse que te viu criança! Lianci tá com problema na vérbetra filho, tem que ver: anda que nem robô. Quem me falou foi Noêmia, que trabalhava na Cláudia lá nos tempos de Madureira. A neta de Claudia passou no vestibular, vai fazer letras. Dei seu telefone para ela, com certeza você pode ajudar. Não faz mal ajudar não é, filho? Então, deixei sua máquina na portaria, obrigado. Acabei nem usando, acho que estava com a lente rachada. Juro que nem mexi. Quem viu foi o Luciano, primo de Janilson que pegou para bater fotos das orquídeas pra mim e quando viu tava com um racho na lente. Que chato, né? Mas você resolve. O importante é que estamos todos com saúde. A Vânia - lembra da Vânia, neta de Damasceno? - disse que te viu outro dia na rua, mas que chamou e você não respondeu. Tem que ficar atento na rua, meu filho! Senão parece que você não tem educação e isso é tão chato para mim depois, não é? Parece que não te dei educação, que você não fala com as pessoas e passa direto. Quer dizer, como é que eu vou falar depois com o Damasceno que agora acha que você está brigado com a neta dele? Isso é tão desagradável, meu filho! Eu não te criei para isso! Não quero ter vergonha do filho que eu tenho. Você tem vergonha da sua mãe? Quer dizer, não é assim que a banda toca, não é? Já me viu na rua passando direto por alguém que chamou meu nome? Fiquei tão desapontada com isso tudo. Bem, espero que você pelo menos tenha pego o pacote do Torquato para levar ao pedreiro aí porque da outra vez você esqueceu e ele ligou para o pedreiro que me ligou dizendo que você se atrasou lá. Então olha só: vê se é justo eu ter que resolver essas coisas! Já tenho idade e o Torquato tem gota você sabe como essas coisas de humor pioram a saúde de todo mundo, não é? Outro dia vi na tevê que quando a gente fica ansioso e preocupado piora tudo no imunológico e a gente gripa e pega alergia, quer dizer, vê se é justo com o Torquato ficar com ataque de gota porque você não quer ir pegar lá a encomenda para ajudar o pedreiro? Ah, lembrei, tenho que imprimir umas pinturas aqui para a Inaudete, sobrinha de Sofia - lembra da Inaudete? Ela lembra de você, te viu bem pequenininho. Então, são umas pinturas que ela quer dar de presente numa reunião lá na casa de Toninho, primo de Jaci - de Jaci você lembra, claro! Você ordenhou a vaca dele na fazenda quando tinha quatro anos! Não é possível que não lembre! - enfim, sua impressora tem tinta colorida? São só umas noventa folhas...

O que ela lembra de ter dito:

- Ah, é engano? Desculpe, hein, moça.


Conto por Renato Kress

Postagens populares