segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Com ciência

- A alma, Pandora, é como essa caixa. Uma vez aberta, só as Moiras sabem a sorte e a garra dos demônios que saltarão sobre o seu pescoço... Mas qual a esperança para a aventura de uma alma aprisionada, não é mesmo?

Conto por Renato Kress

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Entre Gnomos e Ogros

Vê estes galhos retorcidos lá no alto da colina? Você já encontrou as pedras e restos de paredes e louças brancas que sobraram por ali, não é mesmo? Impossível esconder qualquer coisa de vocês nessa idade! Bem, acho que você já tem luas suficientes para que eu sacie sua curiosidade.

Dizem por aí que havia ali uma vasta torre de pedra, com três andares. A torre pertencia a uma senhora que muitos consideravam uma poderosa feiticeira. Na verdade ela talvez fosse apenas uma mãe solteira, sabe? Naquele tempo mães solteiras eram feiticeiras, claro! Afinal, quem poderia gerar vida sozinha, não é mesmo? Talvez a Virgem, mas isso cada vez mais é privilégio das histórias dos padres, claro.

Bem, essa senhora viva na torre com sua filha desde quando essa menina tinha memórias. A pequena, branca como louça e com seus cabelos negros e olhos de ébano, nunca havia conhecido seu pai. Se é que havia pai para ela. O fato é que ela nunca havia visto um homem.

A mãe ia, diariamente, às terras abaixo da colina plantar e colher, trazer barro para coser pequenas lajotas de louça branca com os quais ela estava recobrindo a torre de baixo àcima. Abaixo da torre e ao seu redor se estendia uma grande floresta. Nos limites dela havia um grande castelo, que a pouco tempo pasara a pertencer a um rei jovem e arrogante. Afinal, qual rei jovem não é arrogante? A questão é que, por alguma razão esse rei não invadia a floresta e nem permitia que seus homens o fizessem.

Um dia, ao acordar bem cedo, a jovem menina desceu correndo para ver o nascer do sol e a dança dos girassóis. Abrindo com pressa o portal e os trincos, ouviu um gemido baixinho de alguma criatura que agora corria movendo a relva. Seus olhos negros brilharam de curiosidade enquanto seus pés correram atrás do barulho. Mas ela não encontrou nada. Então sentou-se para ver o sol nascer.

Depois de alguns minutos sentiu um empurrão do chão. E outro mais forte. Então levantou com pressa e medo de haver sentado em uma cobra ou casa de toupeira! Qual não foi sua surpresa ao encontrar um ser como ela, uma pequena menina gorducha vestida com tiras de couro e com muitos fios pretos presos ao queixo? A menina pequena lhe explicou que não era uma menina, mas um gnomo e que vivia ali, nos buracos das cobras e toupeiras, trabalhando com as árvores. Quando as raízes das maiores árvores mergulhavam no fundo dos sulcos ele encontrava água para beber e, quando a terra secava ao redor das árvores mais velhas, ele encontrava minérios, ouro e até jóias brilhantes. 

Tirou do bolso um rubi e uma esmeralda e mostrou à menina. Ela, em troca, lhe mostrou uma fileira incrível de pérolas quadradas que estavam logo atrás de seus lábios. Ele gostou de ver as pérolas e, dali por diante, passou a sempre mostrar pequenos achados da terra para a sua nova amiga. Todas as manhãs ela saía, antes que sua mãe acordasse e se encontrava com o gnomo: Ele trazia quartzos e ficava arrepiado com as "pérolas" que ela mostrava. Um dia, com pressa, ele tropeçou e espalhou ágatas, ametistas e safiras pelo chão, então ele viu que ela mostrou as pérolas dela com ainda mais animação! Estranho que, nesse dia, quando o gnomo foi procurar as pedras espalhadas pela grama, só encontrou metade delas! "Bem, com certeza amanhã o sol vai brilhar bem forte logo cedo e aí eu vou encontrar as minhas pedras de novo!", pensou enquanto voltava para sua casinha embaixo da terra.

Algumas semanas se passaram e o gnomo percebeu, triste, que as pedras já não faziam a menina mostrar suas pérolas com tanta frequência. Além do quê, ele estava preocupado com alguma cobra que poderia estar roubando os quartzos, citrinos e granadas que ele às vezes deixava cair pelo chão. Depois de algum tempo a menina sequer olhava com atenção para ele e, outras vezes, os olhos dela brilhavam com uma luz estranha...

Um dia, quando o gnomo vinha à toda pelo gramado arrastando atrás de si um enorme saco com um rubi que fora do avô de seu avô, na esperança de ver de novo todas aquelas lindas pérolas que a menina havia mostrado no primeiro dia em que se encontraram, ela não estava lá. Ele teve de dar a volta ao redor da torre de louças brancas e seu coração se encheu de alegria ao começar a ouvir a voz dela! Cada vez mais alta! Mas, ao alcançar sua voz ele alcançou também uma pontada forte no peito. Ela estava mesmo ali, atrás da torre, e com ela havia um grande Ogro, do dobro do tamanho dela, com as mãos na cintura e ombros peludos. Ele mostrava também pérolas para ela e ela, esfregando os joelhos um no outro, arreganhava suas pérolas para ele. Do mesmo jeito como fizera pela primeira vez que havia visto o gnomo! 

O Ogro recebeu dela um grande saco de pedras, que ele abriu e jogou sobre as mãos, animado: Eram as pedras perdidas que o gnomo procurava a tempos! Pela primeira vez o gnomo sentiu chover nos olhos, mas quando olhou para o céu, não havia núvens, nem orvalho na grama, só nos seus olhos. Ele sentou na grama e escondeu o grande saco numa fresta entre as pedras da torre.

Dizem por aí que o saco nunca foi encontrado, que a menina casou com o Ogro. Dizem também que o Ogro acabou morrendo de um acidente na floresta e a menina - que já não era mais menina - foi morar com um Ogro ainda maior e mais rico. É o que dizem. Também dizem que o corpinho do gnomo secou ali, sentado, e virou uma pedra que ainda está lá. Uma pedra sem valor. Mas você sabe: dizem coisas demais por aí...

Conto por Renato Kress

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