quinta-feira, 1 de outubro de 2015

TerraNova

E que cheguemos náufragos e sôfregos, arfando desesperados por terra e solidez. Que venhamos com os braços pesados e as pernas cansadas, que as toneladas de braçadas e pernadas no vazio salgado da travessia pelo passado nos tornem cansados demais para o que não seja abraço, para o que não seja paz.

Porque a nossa natureza avarenta e voraz talvez precise estar desesperada, exausta, para que façamos de qualquer encontro uma comunhão. É preciso carecer de conforto e segurança para que desejemos almofadar qualquer espaço, aparar as arestas, arredondar as quinas das palavras.

Porque em Terra Nova é preciso chegar menos que degredado, ainda menos que cigano. É preciso chegar náufrago. Sem navios, exército, esperança. É preciso chegar manso, aprender venenos, humores, línguas, costumes. É preciso criar laços, comungar cansaços, estreitar abraços.

Talvez aí, quando nos encontrarmos inseguros, abertos, sinceros, vestidos de céu e areia, possamos ser ponte e não muro.

Mas você chega em caravelas, eu em frotas. Antes de provarmos os frutos da terra, bem alimentados, saudáveis, cheios de vigor e energia, nos destruímos pelo direito mesquinho de transformar a terra nova numa caricatura grotesca das nossas velhas terras. O que de nossos trapos sobra foge remando a vergonha, esperando que os próximos a encontrarem aquela terra sejam mais sábios. Ou que cheguem mais cansados.

Todo mundo já naufragou um dia. A água ensina a nadar, e dizem algumas lendas que ainda existem terras que só se avistam a dois.

Renato Kress

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens populares