quinta-feira, 31 de março de 2011

Alquimia Íntima

E foi quando ela percebeu que estava enfeitiçada. Que o feitiço não é feito de poções mágicas com extratos de óleos de borboletas púrupuras ou pós de casco de unicórnio. Ele é feito da mágica de pequenas atitudes ao longo do tempo. Como quando ele enviou uma mensagem na hora em que ela bateu com o carro dizendo: "tenha um ótimo dia, qualquer coisa me liga!" Ou quando chegou na portaria e recebeu aquele livro que procurava a semanas com uma dedicatória simples: "Gotcha!" e o nome dele.

Ela percebeu como sempre percebemos, tarde demais. O feitiço havia amarrado as águas internas e agora ela vivia fluindo a mão ao telefone, os dedos ao msn, o olhar às poucas fotos que tinham no celular. Ela presentia naquele feitiço um toque de punição, porque toda vez que saía sem ele deixava enfaixado no quarto o próprio ânimo. Percebeu isso pela palavra "armadilha", que ecoava difusa pelos seus passos no centro da cidade. E foram tantas várias pequenas tocaias tão bem almofadadas pelo perfume das lembranças dele que agora ela já oferecia um sorriso a cada insistente vez que fosse enredada por essas pequenas memórias.

Foi quando olhou ao redor e passou a observar os caminhos que tantos pés levavam tantas gentes e que era hora do almoço e o centro fervia de pés flamulando. Pensou que nem todos percebiam que cada andar soltava pontas de tecido e cabelo, células e pontas de cigarro que formavam uma linha, um fio entre o antes e o próximo e percebeu a vida como teia. Foi quando sorriu ao perceber ele do outro lado da rua e entendeu a necessidade dos nós.

Conto e Receita: Renato Kress

4 comentários:

  1. É tão bom esse feitiço!!!!!! Tu consegue sempre colocar em lindas palavras certos sentimentos q considero confusos de entender, mais ainda de explicar...mas mesmo assim estou sempre querendo sentir!!!!!!

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  2. Bem identificador! Me vi agora em algumas situações citadas no texto. Acho q esse é um dos verdadeiros encantos de uma escrita, seja em forma de conto, poema ou apenas um texto. Quando nos vemos nele passamos a entender melhor o que o autor está querendo transmitir.

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  3. Vistos e relatados. Passando ao exame do mérito. É evidente a intenção de fuga. Plenamente justificável. Compartilho sempre desse mesmo princípio. Melhor manter os pés na estrada e o vento no cabelo. Bj.

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  4. Perfeito!!! Me pergunto como não vi essa maravilhosa postagem de março antes. Li sorrindo, me reconheci no conto - a importância do nós, o desejo de aproveitar tudo principalmente saidas com ele(a), o telefone e o meio de se comunicar vira uma parte do nosso corpo por sempre querer falar com ele(a), as memórias nos faz sorrir e sorrir por fatos tão deliciosos que vivemos...Ameii, um feitiço que não sei exatamente como se procede ...mas o vivo.. =) Obrigada Renato

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