segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Menires

Então ele veio e sentou-se sob a luz da fogueira. Completou a formação ao redor e olhou fixamente a todos os presentes, da esquerda à direita, fechando o círculo com um aceno de cabeça e um sorriso enigmático. Agora ele sabia, era um deles. 

Treze luas
Desde treze luas atrás Lilkt'tak estava em preparação. Com mais oito jovens de seu clã, Lilkt'tak comia e bebia diariamente comidas separadas, ouvia a tambores rituais, dançava ao nascer do sol e fazia preces da época do avô de seu avô às estrelas antes de dormir. A cada sol um novo parágrafo era incluído às preces, a cada sol um novo mistério se revelava a seus ouvidos atentos, à memória coletiva daquele pequeno grupo. Se todos os dias batalhas eram travadas entre seus nove membros, todas as tardes suas testas se colavam em círculo prometendo fidelidade e companheirismo, honra à grande deusa mãe e seu consorte. Honra à terra, honra ao gado, honra aos chifres e aos ventres do clã. Em troca seus sentidos eram aguçados, suas habilidades melhoravam dia a dia e os ferimentos sofridos já não eram mais sentidos, sua carne se tornara forte, como seu espírito.

Sete luas
Sete luas atrás Lilkt'tak foi surpreendido em seu sono por Gion'ktat, pai de Tript'nak, dominado pelo espírito do urso. Estava sob o manto branco de Awntrat'ki, o grande urso morto pelo Guerreiro-deus ancestral, o fundador. Acordado com força com um chute Lilkt'tak pôs-se de pé o mais rápido que pôde somente para agachar em posição de combate e mostrar os dentes e as palmas das mãos para o outro guerreiro. Toda a cena parecia preenchida por um silêncio assassino. O máximo que ouvidos atentos perceberiam seria as folhas secas sob os pés dos dois guerreiros. O combate ritual teve início e não foi sem dificuldade que nosso herói, já com as têmporas ensanguentadas, executou o pulo que o fundador teria dado por sobre o grande urso, cravando seus dedos ágeis sobre as órbitas oculares da pele que recobria Gion'ktat e arrancando-a por trás do velho guerreiro. Foi quando este último pareceu sair do transe e ajoelhar-se perante o rapaz atônito. Disse-lhe que retornaria na próxima lua.

Seis luas
Na sexta lua Gion'ktat acordou Lilkt'tak com estocadas de um bastão em frente à casa cerimonial onde os rapazes dormiam. Agachou e desenhou, à sua frente, um mapa na terra. Então correu. O jovem levantou ávido por seguir o velho guerreiro mata adentro até a pedreira. Enquanto corria percebia vultos ao seu redor, por entre as árvores, também correndo. Passaram-se quatro quilômetros até que ele pôde perceber uma clareira, após um declive anguloso. Nessa clareira estavam tochas, muitas tochas que ladeavam a entrada de uma caverna. Estancando sua corrida em frente a esse cenário os ouvidos de Lilkt'tak surpreenderam-se ao percebê-lo cercado pelas negras sombras cuja presença ele já adivinhara. Todos seus colegas, todos seus irmãos. Colocaram-se em roda e levantaram suas mãos direitas sobre o peito de seu vizinho, fazendo um círculo fechado onde executaram a respiração ritual inspirando e expirando o mais forte e rápido que pudessem. Então seus espíritos eram os mesmos, sua alma apenas uma. Nesse momento entraram, um atrás do outro, no ventre da grande deusa, a caverna de pedras sob o declive.

Quatro luas
As juntas do ombro direito de Lilkt'tak pareciam querer rasgar como folhas secas, seus joelhos doíam como se fossem ser esmagados, a palma de sua mão esquerda era aberta lentamente pela corda trançada que circundava o Menir levado por aqueles nove rapazes a se tornarem homens. Era imprescindível que ele só tocasse o chão no espaço santificado pelas nove meninas a eles prometidas e que então fosse enterrado com seu cume em direção aos céus, de onde viriam os espíritos dos antigos ter com eles. Foi um dia duro. O grande herói foi Tript'nak, que caminhou por vinte metros com o pé vazado por uma pedra afiada. O eixo entre eles, a Mãe e o Pai foi colocado sobre o espaço sagrado. À noite, sem poder sair de dentro da sua casa comunitária, ouviram finalmente as vozes de suas prometidas, seus hinos em honra de sua glória, o canto sobre seus amores futuros. Para Lilkt'tak essa foi a melhor das noites. Acredita mesmo que talvez tenha sonhado com a Grande Dama branca...

Uma lua
A uma lua Lilkt'tak prostrou-se sob o Menir e esperou. Esperou por uma tarde inteira pela alma do Grande Deus ou da Grande Deusa, que pousaria sobre o Menir e lhe traria o presságio, indicando que as provas haviam terminado. Por três sóis ele esperou e antes que aquela lua houvesse fugido, numa noite silenciosa um piado oco ouviu-se sobre o Menir. Era a Grande Deusa, na forma de uma coruja negra, a olhá-lo atentamente. Os lábios de Lilkt'tak abriram-se e águas nasceram entre suas orelhas. Ao finalmente poder circular a pedra, encontrou Kilk'nan, sua esposa.

Conto e Receita: Renato Kress

2 comentários:

  1. Mente brilhante...um conto interessante e muito bem escrito! Parabéns...Beijo no moço lindo!

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  2. Um conto fascinante Re. A riqueza de detalhes no início me faz lembrar de estórias indígenas (meus antepassados) rsrs... que minha avó me contava. Os rituais que eles faziam entre outros costumes que eles tinham, que ainda tem para falar a verdade. E, comparando com a nossa realidade, me fez ter mais certeza ainda que, mesmo passando por várias situações difíceis na vida, no final, chegaremos ao nosso destino real. Independente do que estejamos buscando, nós chegaremos.

    Bjs Anjo Lindo e Parabéns!!!

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